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Editorial

Residência Médica no Exterior

por Lívia Liberata Barbosa Bandeira 

Coordenadora Multidisciplinar da AAC

O que faz um estudante de medicina se decidir por fazer uma residência fora de seu país de origem? Nos moldes da fotografia brasileira, os motivos pairam por novas oportunidades e experiências, nível de tecnologia e informação, expectativa de melhor qualidade profissional e de vida, incentivo à pesquisa, melhor remuneração, entre outros.

 

É preciso dizer que não existe nenhuma regra de período ou ano de faculdade ideal, idade, especialização exata ou país a ser escolhido, porém a motivação e a proatividade são os fatores de destaque, sendo os demais fatores auxiliares.

Por exemplo: o período em que vai iniciar o processo independe na maioria dos países no quesito validação (termo que será discutido adiante), todavia, auxilia no quesito “tempo para formação de currículo" - o famoso “fazer seu pé de meia”. A idade talvez seja a menor das influências, a menos que já ocorra uma vida familiar pré-estabelecida no Brasil. 

Já a certeza da especialização “precocemente" é considerada benéfica justamente pela formação curricular, visto que em alguns países (como os Estados Unidos) a múltipla atuação em diferentes áreas pouco interligadas pode ser vista de forma negativa em fases de entrevista. Além disso, o grau de “popularidade" (vulgo necessidade) de certa especialidade no país de destino torna o processo mais ou menos fácil, já que o número de vagas para medicina da família nunca será menor do que o de neurocirurgia (vide na maioria dos países, principalmente, Canadá, Austrália, EUA, França). Temos ainda a escolha do país, o que considera-se um dos primeiros passos do processo. Tal escolha deve ser feita considerando todos os parâmetros burocráticos do processo aliado aos seus ideias de carreira (sim, você também deve saber isso, como por exemplo: você quer ser um médico com possibilidades de pesquisa? Pense em um hospital universitário). Por fim, tenha em mente que 3/4 do processo dependerá de você. Então, qual é o primeiro passo?

Passos para a escolha de sua residência

Após se identificar em um perfil que contemple todos os prós e contras de se fazer residência fora do Brasil, deve-se saber que, em todo e qualquer país que quiser aplicar, independente de ter ou não cidadania, vai surgir um processo chamado de revalidação para todos que tiveram a graduação feita fora do país de destino (no Brasil chamado de Revalida para aqueles que o escolhem como país de destino). Cada país tem um processo diferente com uma riqueza de peculiaridades a serem estudadas, ou seja, não basta apenas jogar no google “top 10 dos países com maiores salários para médicos”.

 

Sabe-se também que, de forma geral, há a divisão em processos que eu chamo de acesso direto (como USMLE com as provas de STEPs nos EUA, GMC com as provas do PLAB no Reino Unidos e até o PAE na França (este apenas para especialistas), bem como processos mais subjetivos, como de análise curricular (possível na Alemanha e Portugal, não sendo, entretanto, a via mais usual). Dessa forma, a seguinte ordem estipulada não é respaldada por nenhum órgão internacional, mas proveniente de anos de leitura e, por fim, opinião.

  1. Fazer a macrosseleção dos países em que possui interesse

Nessa fase, você pode sim usar o "top 10 dos países com maiores salários para médicos”, todavia seria interessante considerar o idioma (você tem disposição para aprender ou se aprofundar naquela língua?). Lembrando que o inglês médico é diferente do inglês C1 e por aí vai. Vale também a motivação de escolher aquele país (a cultura e os hábitos vão sim influenciar, e muito, todo o processo) e, de bônus, um local pontual em cujo serviço você teria vontade de trabalhar. Este é o momento do processo em que você pensa alto, então se você pensa em neurocirurgia o ideal seria pesquisar os melhores serviços em que você poderia trabalhar.

2) Pesquisa burocrática: o passo mais complexo

Nesse momento, eu sugiro tirar um fim de semana, entrar em grupos específicos do facebook (ex: PLAB Brasil, USMLE Brazil, Médicos Brasileiros na Austrália/Canadá/França/Portugal, etc), selecionar os países que escolheu e ler (bastante) todo o conteúdo que gera elucidação quanto às suas expectativas e as realidades do processo de revalidação e vida como médico no país de destino. Deve-se levar em conta o tempo médio entre a entrada no processo e início da residência, salário enquanto trainee ou residente, quesitos mais importantes no processo e seus custos mesmo que ainda no Brasil. Novamente, é importante pensar na disposição para aprender ou se aprofundar na língua local e possibilidades de estágios ainda durante a faculdade. O mistério desse passo se baseia de novo na proatividade, pois quanto maior a lista de países que você selecionou no passo 1, maior a quantidade de conteúdo que você terá que ler e, infelizmente (ou não), ninguém pode fazer isso por você. Existem vários fluxogramas que ajudam a esclarecer de forma geral o processo, porém as peculiaridades e dúvidas pessoais sobre o processo serão melhor elucidadas através da pesquisa própria. Lembrando também da existência de grupos no WhatsApp com foco em processos específicos, mas é de extrema importância saber que, ao tirar dúvidas, haja por trás dela um histórico de procura anterior, pois, como ressaltado, a pesquisa é própria.

 

3) Reconfirmar a sua motivação pelo país de destino e a possibilidade de aprender ou se aprofundar no idioma local

É muito importante que exista essa certeza até mesmo para selecionar o país (ou países) que tenha como foco, pois o idioma será o aspecto mais primário a ser exigido de você. Lembrando que existem países que, durante o processo, assumem a posição de pedir um exame de proficiência com nota mínima ou até mesmo provas discursivas com conteúdo médico (o qual, como foi dito, não é a mesma coisa que o nível C1).

4) Não escolher mais do que 2 países diferentes: dica de ouro

Devido às peculiaridades do processo, tempo e disposição, torna-se importante o foco no mínimo de países possível, lembrando de sempre manter como opção a própria residência no Brasil, a qual pode abrir portas para futuros fellowships caso a opção de residência não se torne viável. A alternância de planos é comum e frequente, mas a persistência e o foco tornam-se diferenciais.

 

A partir daqui o passo a passo fica mais flexível e sem ordem de realização, sendo classificados como diferenciais no processo.

5) Formação do currículo

Este passo é um tanto subjetivo, visto que não existe edital para residências em geral. Leva-se em conta que o currículo acadêmico fica mais enriquecido quando há grande atuação em pesquisas científicas, visibilidade nacional e internacional, estágios em grandes centros nacionais ou internacionais (principalmente no país de destino), orientação de professores de renome com cartas de recomendação (principalmente na área de especialização escolhida) e atuação em projetos sociais e de de liderança (principalmente nos EUA).

 

Novamente, é importante ressaltar que a escolha “precoce" da especialização (ou área de atuação) facilita o processo quanto ao direcionamento do currículo. Em uma conversa informal com um grande médico cirurgião que faz a seleção para um dos maiores hospitais referências em neurocirurgia dos EUA, obtive a informação de que no processo local havia a pergunta de “quais seriam as suas outras opções caso não passasse para neurocirurgia” e as respostas “somente neurocirurgia” ou “qualquer outra área CLÍNICA e não cirúrgica” eram as mais vetadas.

6) Estágios

Estágios abrem portas. Em um país em que não há informações ou referências sobre você, um médico da área em que você quer atuar que te referencie garante muitas oportunidades no futuro, além de demonstrar o seu grau positivo de adaptação. Para isso, existe a sorte, indicação e trabalho duro (não necessariamente interdependentes). O próprio estágio está diretamente ligado à riqueza do seu currículo, levando em consideração que cada país (ou continente) tem um modelo de currículo diferente, porém, muitos contém o parágrafo “referências”, o qual é preenchido por hospitais e orientadores provenientes de estágios.

Obs: destaca-se que um estágio no país de destino sempre é preferível do que um estágio internacional aleatório, todavia, sobressai a ideia de que é melhor um do que nenhum.

7) Organização

Alguns processos são mais rápidos do que outros, mais mentalmente trabalhosos do que outros e mais exigentes do que outros. Dependendo dele, há a possibilidade de início ainda na graduação (ex: USMLE nos EUA) e outros apenas com graduação concluída(ou até especialização, ex: França). Ao fazer a sua escolha, independente do tempo em que iniciará de fato o processo, deve-se sempre mantê-lo em primeiro plano conjuntamente com a sua graduação. Aconselha-se utilizar ainda na faculdade bibliografias nos idiomas em que irá precisar e até mesmo procurar por testes anteriores nos processos que admitem provas. A organização é a chave do sucesso também quando está relacionada ao aprendizado ou aprofundamento do idioma. Neste caso, nada é impossível (nem mesmo se o país escolhido for a Alemanha), porém o instinto autodidata é imprescindível de ser cultivado.

 

Ainda que trabalhoso, o projeto de planejar e executar uma residência médica no exterior é capaz de trazer grandiosas experiências. Para aqueles com a certeza de que querem usufruir desses benefícios ficam as palavras “proatividade”, “autoconfiança” e "ex nihilo nihil fit”.

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