Matéria Especial
Espiritualidade e Coração
por Mateus Francelino Silva
Coordenador de Pesquisa da AAC
Há tempos discute-se acerca da relevância das crenças e ritos religiosos em contribuírem para melhores resultados durante os tratamentos de diversos acometimentos cardiovasculares. A religião e a espiritualidade são usadas, na maioria das vezes, como mecanismos adaptativos por indivíduos que encaram situações que ameaçam à vida, como um evento cardíaco.
Essas ações, porém, ainda são tamanhos desafios para suas reais comprovações científicas, ou seja, ainda não existem dados conclusivos que afirmem ou neguem a importância dessas crenças nestes tratamentos.
O bem-estar espiritual é uma dimensão do estado de saúde, junto às dimensões corporais, psíquicas e sociais, dita assim pela Organização Mundial da Saúde, desde 1998, por considerar as experiências místicas e meditativas como processos mensuráveis e quantificáveis, baseando-se, para isso, em evidências acumuladas na literatura e na prática médica.
Diante disso, amplas pesquisas já vêm sendo realizadas por vários profissionais da saúde que anseiam pela comprovação supracitada sobre a relação benéfica entre espiritualidade e tratamentos cardiovasculares. Uma destas, intitulada INTERHEART, publicada em 2004, tratou-se de avaliar vários pacientes, em torno de 30 mil, situados em 52 países, com o propósito de buscar os principais fatores de risco ligados ao Infarto do Miocárdio (IM). Ela resultou que nove fatores explicavam mais de 90% das chances de ocorrência de IM, dentre eles: tabagismo, história de hipertensão, diabetes, obesidade, baixo consumo diário de frutas e verduras, consumo regular de álcool, pouca prática de exercícios e fatores psicossociais.
Os fatores psicossociais, como estresse e depressão, contudo, apresentam uma grande relevância para a ocorrência de infarto, já que, de acordo com seu odds ratio nessa pesquisa de 2.67, ele vem sendo considerado maior que outros fatores que são tão difundidos nas mídias e em outras pesquisas, como a obesidade e a hipertensão (deve-se lembrar, porém, que esses exemplos dados também contribuem de maneira significativa para a ocorrência de infarto, necessitando do combate a eles).
Além disso, em entrevista ao Folha Espírita, o doutor autor desse trabalho, Álvaro Avezum, afirmou que, caso os fatores psicossociais fossem adequadamente controlados e extintos, cerca de 32,5% dos infartos seriam evitados em todo o mundo.
Em outro estudo, realizado por Park e cols., foi analisada a relação entre a religião/espiritualidade e o bem-estar físico e mental em 111 pacientes com ICC níveis III e IV. Nesse estudo, alguns tópicos foram avaliados: a capacidade de perdoar; as experiências diárias espirituais; a crença em vida após a morte, entre outros. Os autores deste constataram que a religião e a espiritualidade não afetaram de forma relevante o bem-estar físico, mas mostraram influência positiva sobre o bem-estar mental desses pacientes. Indiretamente essa análise corrobora para outras que já foram e vem sendo feitas, como a supracitada, que concluem, em muitos casos, que cardiopatas com alto nível de espiritualidade têm uma qualidade de vida superior.
Outrossim, outros índices de saúde, na maioria dos casos, são melhorados, por exemplo: maior longevidade, habilidades de manejo e qualidade de vida, assim como menor ansiedade, depressão e suicídio
Tais pontos de vistas, muitas vezes, convergem para uma mesma ideia: o enfretamento positivo da doença por meio da espiritualidade. Porém, deve-se salientar que há, ainda, o enfretamento negativo. Este surge a partir do momento em que o acometido entra em um conflito religioso consigo próprio ou com demais, e isso pode gerar algumas ideias, como a de que ele não é amado por um ser divino, ou que a doença que lhe acomete é, muitas vezes, atribuições de entidades malignas. Tais pensamentos se associam, então, à diminuição da qualidade de vida e à menor eficácia dos programas de reabilitação cardíaca.
Outras pesquisas ainda têm sido encaminhadas para buscar novas maneiras de explorar o assunto e de expô-lo à sociedade, já que o sistema cardiovascular é especialmente afetado por fatores psicológicos, sociais, comportamentais, religiosos e espirituais.