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Entrevista

Dr. Roberto Veloso Gontijo

A Voz da Experiência 

por Thiago Guimarães Teixeira

Coordenador de Extensão da AAC

Dr. Roberto Veloso Gontijo é formado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais, possui residência em Clínica Médica, mestrado em Saúde Pública e doutorado em Medicina, ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais. É também pós-graduado em Geriatria pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Master Business Administatrion pela Fundação Getúlio Vargas. É médico do corpo clínico do Hospital Semper, professor dos cursos de medicina Universidade Federal de Ouro Preto e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e professor do curso de pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e da Fundação Unimed. Médico efetivo da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, é referência técnica em dengue do Núcleo de Epidemiologia da SRS/MG.

AAC - O senhor já deve ter enfrentado muitas circunstâncias difíceis e inusitadas ao longo da sua formação médica. Qual foi a experiência mais marcante para você?

 

Dr. Gontijo - Estava de plantão em Hospital Geral, internato de clínica médica, quando fui chamado pela enfermeira para atender uma parturiente, primípara, numa troca de plantão de obstetras. O plantonista da noite saiu às 7 horas e o plantonista do dia ainda não havia chegado. Não tinha nenhuma experiência em parto, foi um estresse muito grande. Entrei para o bloco com um colega acadêmico também e sob as orientações da enfermeira supervisora fomos fazendo os procedimentos passo a passo até o nascimento da criança. Ao final tudo correu bem, a criança nasceu bem, o obstetra do plantão diurno chegou e finalizou os procedimentos de praxe.

AAC - A medicina é uma profissão de grande visibilidade, mas que vem enfretando grandes desafios em nosso país, sobretudo no que diz respeito às condições de trabalho, a morosidade do sistema único de saúde. Que orientação o senhor daria aos jovens médicos que estão entrando no mercado de trabalho?

 

Dr. Gontijo - Humildade, determinação, disposição e gratidão são o que qualquer profissional médico, em especial, quem está entrando no mercado de trabalho precisa ter para conseguir uma carreira de sucesso, entendida aqui mais como satisfação pessoal. Humildade para não deixar que a visibilidade, o status proporcionado pela profissão suba à cabeça e impeça de serem percebidas as coisas realmente importantes. Ética para que o profissional realize as suas funções da forma mais correta possível, do ponto de vista técnico, legal e moral, e para que não se veja envolvido em escândalos, como os que foram noticiados recentemente. Disposição para que as condições de trabalho, muitas vezes não ideais, a rotina, a jornada de trabalho árdua e o sofrimento dos pacientes não tirem do jovem médico a vontade de aprender, de ajudar ao próximo e a capacidade de perceber a beleza da profissão. Desde que me formei escuto a mesma frase: “péssimas condições de trabalho”; o que eu penso é que o recém-formado deve fazer a sua parte, levar a sério o trabalho onde for, no sistema público ou privado, em ambos, as condições são semelhantes. Infelizmente, o problema é político e não dos profissionais, a maioria esmagadora dos médicos são sérios, honestos, aceitam condições ruins em detrimento do cuidado com o paciente. O jovem médico deve primar pela dedicação, estes não ficarão sem mercado de trabalho.

AAC - Você acha que a prática da semiologia médica, incluindo o ensino/aprendizado na formação médica, tem perdido espaço para os recursos propedêuticos disponíveis hoje em dia?

 

Dr. Gontijo - Sim, vejo que os mais jovens, pela facilidade de propedêutica atual, deixam de valorizar a escuta e o exame clínico em detrimento do uso da tecnologia, a mídia oferece facilidade da busca por exames complementares de alta complexidade, na ilusão que poderão sobrepor o exame clínico bem feito. Por mais dependente da tecnologia a medicina tenha se tornado, a semiologia médica jamais perderá espaço ou deixará de existir por causa dos modernos recursos propedêuticos. A semiologia médica é a base do raciocínio clínico, a partir da anamnese e dos achados ao exame clínico é que optamos por uma ou outra propedêutica complementar. A tecnologia é uma grande parceira da medicina, mas não pode e não deve substituir o saber médico fundamentado na semiologia. 

AAC - O senhor é professor com grande experiência no ensino da medicina. Em sua opinião, o que é primordial para uma boa formação médica?

 

Dr. Gontijo - Medicina é um curso muito bonito, mas um curso que exige inacreditavelmente do aluno. É preciso muita dedicação, muito estudo para se tornar um bom médico. A boa formação depende principalmente do aluno, as condições oferecidas aos alunos são iguais para todos de uma maneira geral, agora, aqueles que se dedicam mais, claramente tem uma formação melhor e se sobressaem. Isso pode parecer clichê, mas é verdade. Além disso, é preciso que o estudante desenvolva uma versatilidade, que seja capaz de compreender e dominar, reservada as devidas proporções e observadas as normas éticas e legais, diferentes áreas da medicina e não apenas desenvolva habilidades desejáveis na área em que pretende se especializar mais tarde. Não obstante, é preciso ir além do saber científico. Saberes culturais, saberes provenientes de outras áreas podem contribuir para a sua prática médica em algum momento. É preciso estimular a leitura de livros de literatura, a prática de esportes, o lazer, a descoberta de outras culturas, até para que os acadêmicos se encontrem mentalmente e fisicamente saudáveis, e se sintam mais dispostos para que possam aprender medicina. Por fim, paciência é algo fundamental para se tornar um bom médico. Todo bom médico é moldado pelo tempo, pelas experiências, as boas e as ruins. 

AAC - Em geral, o momento de escolha de uma especialidade médica é marcado por muitas dúvidas, ansiedade e angústia. Qual conselho o senhor pode dar para os futuros médicos?

 

Dr. Gontijo - Talvez o conselho mais importante seja: “escolha aquilo que te faça vibrar; que faça seu coração bater acelerado; que te faça feliz”. É claro que remuneração e a possibilidade de ascensão profissional são importantes, mas escolher uma área apenas baseado nesses dois fatores, é uma receita infalível para a infelicidade. Quando meus alunos me fazem essa pergunta, eu sempre respondo: faça aquela que você mais gosta e se identificou durante a graduação. Não faça especialidade que não seja por gostar. Independente da remuneração, se você fizer uma especialidade que gosta, você será bem-sucedido na carreira em todos os sentidos. Não deixe a insatisfação tomar lugar na sua vida de médico, pois o sofrimento será muito grande. Uma coisa que pode ajudar conversar com pessoas que já atuam na área em que você almeja se especializar, para conhecer o dia a dia de um profissional da área, as peculiaridades, os desafios, para que você possa decidir com propriedade se quer ou não seguir por este caminho. Por fim, tente controlar a ansiedade, não se desespere se não consegue se decidir por uma determinada área ou se não for aprovado para um programa de residência médica. Não é o fim, você pode tentar novamente nos anos seguintes ou seguir por outros caminhos. Muitas vezes, são nos momentos de adversidade que vislumbramos oportunidades antes não percebidas. 

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