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Filme

Miss Evers' Boys

por Eduardo Rodrigues Mota

Coordenador Multidisciplinar da AAC

Miss Evers’ Boys (1997) é um filme que retrata a história do Estudo da Sífilis Não-Tratada de Tuskegee, que ocorreu entre 1932 e 1972 nos EUA.

 

É necessário compreensão do contexto histórico para que os fatos fiquem mais claros ao decorrer da história. Em 1929 iniciou-se umas das maiores crises econômicas mundias, também conhecida como Grande Depressão. A Crise de 29 se propagou durante a década de 30 inteira e teve efeitos desastrosos, como elevados índices de desemprego, quedas do PIB e das produções industriais com efeitos globais. Além disso, nos EUA, havia expressiva segregação racial, a estrutura da cidade era totalmente divida entre espaços para brancos e para negros, haviam órgãos públicos e privados, serviços e oportunidades distintos para cada um.

Para além da questão do racismo, temos que nos inserir em um contexto de saúde bem menos evoluído, com poucas políticas públicas e sem foco nas questões sociais, ainda mais quando se trata do indivíduo negro. No fim do século XIX e início do XX, era bastante popular o atendimento médico pelas sociedades fraternais, que funcionavam principalmente entre as minorias e que possuiam a “clínica da associação” que contratava um médico com salário fixo para atender a toda comunidade que pagava para participar da sociedade. Em paralelo, no século XX, a epidemiologia iniciou o seu desenvolvimento institucional com a criação dos primeiros departamentos em Universidades e se dedicou ao estudo da dimensão populacional das doenças transmissíveis, em geral, esses estudos caracterizavam a população acometida em diversos aspectos, como sociodemográfica, economica e clínicamente.

O filme conta a história através do depoimento à corte americana de uma enfermeira negra, Eunice Evers, que participou durante todo o processo do estudo de Tuskegee, realizado na cidade de Macon County, Alabama.

Miss Evers é convidada por Dr. Brodus para trabalhar em um programa financiado pelo governo com tratamento de sífilis na comunidade de negros em que cresceu, como trata-se de um projeto de governo novo e as políticas sociais voltadas para saúde de forma pública e comunitária não são tão recorrentes, soa como algo estranho, não apenas para os profissionais, mas para a população. Aparentemente, a enfermeira é ideal ao trabalho, por sua imagem e postura frente à comunidade e seu discurso atingir de forma mais clara à todos. O processo de convencimento para tratamento é uma missão árdua que exige do poder de persuação e adaptação de discurso. É feita busca ativa dos pacientes, rastreamento da doença para testagem e diagnóstico. Dr. Douglas é o médico ligado diretamente ao governo que tem como função acompanhar todo o processo do junto à Evers e Brodus.

Após algum tempo, os recursos que financiam o tratamento é esgotado, então alguns profissionais são cortados, entre eles Evers. Algum tempo depois, surge uma nova possibilidade: um novo estudo. Chamado de Estudo de Tuskegee, este é um ensaio clínico apenas observacional que cessará o tratamento e avaliará como se dá a evolução da patologia dos “bad blood”, como eram chamados os pacientes infectados por sífilis. Com a promessa que voltariam a tratar após 6 meses de observação, a enfermeira aceita voltar e se submete a mentir para os pacientes com objetivo de atraí-los novamente para o projeto, pois, em teoria, não havia outra possibilidade melhor a ser oferecida.

Anos se passaram e continuaram prorrogando o fim do estudo, com isso surgiram outros tratamentos, como a Penicilina que é efetivo ainda atualmente, porém, todos os envolvidos no estudo, estavam permanentemente proibidos de fazer, pois isso alteraria o resultado e tudo que foi feito perderia valor. Ao perceber que o estudo não teria fim e que a morte por sífilis era o objetivo, Evers luta contra a proposta, mas é convencida por Dr. Brodus a permanecer e cuidar de todos, pois a ajuda de Evers era indispensável e o real objetivo do estudo era comprovar que não havia diferença na reação à doença entre negros e branco e que, ao comprovar isso, não apenas a ciência estaria mais avançada, mas os negros ganhariam maior respeito.

O filme envolve questões polêmicas e nos remete à reflexão sobre as condutas e políticas sociais. Devemos retratar o descaso e a negligêngia das autoridades norte-americanos para com os pacientes negros submetidos é cruel e desumano. Havia não apenas um público limitado envolvido, mas uma população dinâmica, o que afetava um grupo em reação de cadeia, pois, ao não tratar os homens, estavam expondo esposas (por via sexual), filhos (por via congênita), por exemplo. Havia uma rede de exposição submissa à falta de atenção em saúde.

Além disso, a questão da ética profissional e da bioética, que de fato está sendo posta em julgamento no filme, é algo que gera desconforto. O compromisso de médicos e enfermeiros deve ser com a saúde de seus pacientes e devem, não apenas por função, mas por lei e juramento, executar todo o possível para atender e cuidar dos paciente. Há, portanto, de forma direta ou indireta, violação das condutas adequadas pelos profissionais envolvidos na pesquisa.

Nota-se, ao longo do filme, que a postura da enfermeira frente às situações é ingênua e bastante delicada. Como já dito, vivia-se um período de crise econômica e as taxas de desemprego eram elevadas, tanto que, no período em que ela se afastou do estudo, trabalhou como empregada doméstica. Ao voltar, mesmo sabendo que os participantes do estudo estavam fadados ao sofrimento e à morte pela infecção, a enfermeira trata os pacientes com maior cautela possível, incentivando-os à manterem seus sonhos e vidas da melhor forma possível.

Utilizar a ótica de uma mulher e enfermeira para relatar a história no filme é um trunfo amenizador, pois a mulher representa socialmente a responsabilidade de um cuidar mais elaborado e afetuoso, especificando ainda mais com a função de enfermeira, que, dentre os profissionais de saúde, é quem mais se responsabiliza pelo paciente, realizando um cuidado mais próximo.

Data de lançamento: 1997.

Duração: 118 min.

Direção: Joseph Sargent.

Produção: Robert Benedetti, Laurence Fishburne, Derek Kavanagh, Kip Konwiser

Roteiro: Walter Bernstein.

Elenco: Alfre Woodard, Laurence Fishburne, Craig Sheffer, Joe Morton, Obba Babatundé, Ossie Davis e E.G. Marshall.

Música: Charles Bernstein.

Gêneros: Drama/Guerra.

Nacionalidade: França.

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