Editorial
Cardio-Oncologia como Área de Atuação do Cardiologista
por Patrícia Fraga Paiva
Coordenadora de Extensão da AAC
A Cardio-oncologia é um contexto novo que emerge a partir de uma demanda oriunda dos pacientes sobreviventes do tratamento do câncer, já que as drogas utilizadas têm como consequência a destruição de cardiomiócitos, disfunção eletrofisiológica e estrutural do miocárdio, culminando em insuficiência cardíaca (IC), doença valvar, doença arterial coronariana (DAC), arritmias, hipertensão arterial (HA), doença tromboembólica, doença vascular periférica. No Brasil, a cardio-oncologia ainda não se caracteriza como especialidade médica, sendo, por enquanto, mais uma área de atuação para os cardiologistas, no entanto já existe um grupo de estudos sobre a temática na Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), inclusive em 2011 foi publicada a I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da SBC. O enfoque da abordagem da cardio-oncologia é se concentrar no monitoramento de pacientes com doença cardiovascular (DCV) prévia ou história familiar presente durante e após o tratamento antineoplásico.
É um campo multidisciplinar que exige que oncologistas e cardiologistas trabalhem juntos a fim de fornecer cuidados cardiovasculares em curto prazo para aqueles que estão em tratamento contra câncer e em longo para os sobreviventes, que por ventura estejam sofrendo com os efeitos adversos da cardiotoxicidade provenientes da terapia medicamentosa. A disfunção cardíaca e a insuficiência cardíaca são complicações frequentemente esperadas que afetam a sobrevivência e a qualidade de vida desses pacientes.
A avaliação do risco CV é o fator mais importante antes do início da terapia do câncer. Para aqueles que apresentarem de alto risco, um plano personalizado e o gerenciamento da condição pré-existente deve ser estabelecido. Características do estilo de vida desfavoráveis como tabagismo, sobrepeso e sedentarismo relacionam-se com o aumento do risco de cardiotoxicidade.
Indivíduos com comorbidades pré-existentes como hipertensão, diabetes, angina, insuficiência cardíaca ou história pregressa de doença coronariana ou tromboembólica, acidente vascular cerebral devem receber atenção particular durante o curso da terapia contra o câncer porque o risco de desenvolver eventos adversos devido à cardiotoxicidade é elevado. Os parâmetros bioquímicos, pressão arterial, eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma devem ser constantemente solicitados para avaliar a condição do doente. Pacientes com hipertensão mal controlada, arritmias graves e fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior a 50% correm alto risco de cardiotoxicidade induzida pela terapia contra o câncer.
Recentemente, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica lançou uma diretriz para a prevenção e monitoramento da disfunção cardíaca em sobreviventes de câncer de adultos (5). Nesse guideline, há a caracterização das terapias com elevado potencial de indução da cardiotoxicidade e disfunção cardíaca, sendo reconhecida como principais a Antraciclina (Doxorrubicina e Epirubicina) em doses elevadas e cumulativas; exposição à radioterapia (≥ 30 Gy), onde o coração está no campo de tratamento; Antraciclina em menor dose, porém associada à radioterapia com menor dose, com coração presente no campo; doses menores de Antraciclina ou Trastuzumab e a presença de qualquer dos fatores de risco como doença CV prévia, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia e obesidade, durante ou após a conclusão de terapia, maiores de 60 anos durante o tratamento; tratamento com Antraciclina com menor dose seguido de Trastuzumab.
A queda na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) é o principal marcador de cardiotoxicidade, que foi definida como uma redução na FEVE em mais de 10 pontos percentuais da linha de base e <50%. A FEVE é um dos preditores mais importantes do prognóstico, quando substancialmente reduzida geralmente apresentam um prognóstico mais fraco. A ecocardiografia, a imagem nuclear e a ressonância magnética são utilizadas para aferir a FEVE. No manejo da cardiotoxicidade, o principal objetivo é tratar o câncer de maneira ideal, porém prevenir que esse paciente desenvolva uma insuficiência cardíaca sintomática e coloque em risco sua sobrevivência.
O dexrazoxane é a única droga certificada para prevenção da cardiotoxidade induzida pelas Antraciclinas, entretando sua utilização é controversa devido ao comprometimento da eficácia das drogas anticâncer e aumento de neoplasias secundárias, tendo seu uso restrito pela FDA em adultos. Atualmente o tratamento com ß-bloqueadores e os inibidores da enzima conversora de angiotensina diminuem a probabilidade de cardiotoxidade secundária à exposição aos quimio e radioterápicos.
A incapacidade de prever o desenrolar do processo neoplásico maligno, associada ao diagnóstico de DCV como efeitos secundários ao processo quimioterápico, pode resultar em interrupção equivocada de uma intervenção que salvaria a vida do paciente. A abordagem requer atuação multidisciplinar a fim de proporcionar assistência em saúde na sua amplitude máxima, visando o bem estar do paciente.