Matéria Especial
O uso do álcool e seu efeito sobre o coração
Por Rômulo Mundin
Coordenador Multidisciplinar da AAC
O uso excessivo de bebidas alcoólicas pode provocar diversas patologias, acometendo diferentes órgãos. Cirrose hepática, Hipertensão Arterial Sistêmica, Acidente Vascular Cerebral e Arritmias Supraventriculares, principalmente Fibrilação Atrial, são alguns exemplos.
No coração, especificamente, ele gera a Miocardiopatia Alcoólica (MA), que é a principal etiologia de cardiomiopatia dilatada adquirida não isquêmica.
A MA é uma doença multifatorial que está associada ao consumo excessivo (>90g/dia) e crônico (>5 anos) do álcool. O tempo de consumo parece ser o principal fator para progressão da doença, mas também a progressão da falência cardíaca pode estar relacionada a outras doenças provocadas pelo álcool, como já supracitado.
É uma doença que acomete mais o sexo masculino, mas as mulheres parecem desenvolver MA de forma mais precoce e com quantidades alcoólicas menores. Algumas explicações para esse fato são: a menor quantidade e duração do consumo por mulheres, quando comparadas aos homens, e menor quantidade de enzimas metabolizadoras de álcool (aldeído desidrogenase, álcool desidrogenase, catalases e citocromo p450 – CYP2E1) no sexo feminino.
Assim como outras miocardiopatias dilatadas, a MA apresenta dilatação e aumento do ventrículo esquerdo (VE), com espessura de VE diminuída ou normal. Um complicador diagnóstico é que não há critérios clínicos, radiológicos, eletrocardiográficos, ecocardiográficos e histológicos específicos, sendo o diagnóstico presuntivo, exigindo uma histórico de etilismo crônico e exclusão de diagnósticos diferenciais.
Há duas apresentações clínicas: a pré-clínica e a sintomática. Esta última apresenta sinais e sintomas típicos da Insuficiência Cardíaca Congestiva, sendo que, frequentemente, os pacientes são classificados, no momento do diagnóstico, nas classes funcionais III e IV da NYHA.
A patogenia não está totalmente elucidada, mas encontraram relação do consumo crônico e excessivo do álcool na indução persistente da apoptose dos miócitos, levando, progressivamente, a disfunção ventricular. Ademais, o álcool e seus metabólitos alteram o metabolismo intracelular do Cálcio em nível mitocondrial e do retículo sarcoplasmáticos. O estímulo na secreção adrenal de catecolaminas também auxilia na apoptose e hipertrofia dos miócitos.
Quanto ao tratamento e ao prognóstico, ele deve consistir em abstinência alcoólica e fármacos para Insuficiência Cardíaca, levando em conta o grau de disfuncionalidade cardíaca. Dois estudos, de Fauchier et al e de Gavazzy et al, encontraram tempo de sobrevida dos abstinentes significativamente maior, quando comparados com os pacientes que reduziram o seu consumo de álcool, mesmo naqueles com sintomas já controlados.
Dessa forma, sendo o consumo excessivo do álcool um problema mundial de saúde pública, devemos ficar atentos em todos os seus efeitos em nosso organismo. Pouco se discute sobre seus efeitos cardíacos, devendo ser cada vez mais difundida essa informação, afim de se combater o seu consumo excessivo e crônico e, por conseguinte, seus efeitos deletérios.
Fonte:
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