Matéria Especial
Atualização: revisando a Fibrilação Atrial.
por Cecília Faria
Associada da AAC
Nas últimas duas décadas, a Fibrilação Atrial (FA) tornou-se um importante problema de saúde pública, com grande consumo de recursos em saúde, além de ser considerada a arritmia sustentada mais frequente na prática clínica, sendo sua prevalência na população geral estimada entre 0,5-1%. Apresenta importante repercussão na qualidade de vida, em especial devido a suas consequências clínicas, aos fenômenos tromboembólicos e as alterações cognitivas.
A FA ocorre quando anormalidades eletrofisiológicas alteram o tecido atrial e promovem formação/propagação anormal do impulso elétrico. É mais comum no sexo masculino em uma proporção de 1,2:1 e possui diversos fatores de risco (alguns evitáveis), como hipertensão arterial, diabetes, doença valvar, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, obesidade, uso de bebida alcoólica, apneia obstrutiva do sono, exercício físico, história familiar e genética.
É classificada em: inicial, paroxística, persistente e permanente. A inicial refere-se ao primeiro diagnóstico ou ao diagnóstico. A persistente é aquela que se instala e não se interrompe, a menos que seja realizada algum tratamento. Há uma subclassificação denominada persistente de longa duração, a qual dura mais de 1 ano. A paroxística termina espontaneamente, sem a instituição de alguma terapia. de episódios novos. A permanente é aquela na qual as tentativas de reversão falharam ou nem se optou por fazer a reversão da arritmia. É possível, entretanto, que um paciente mude uma classe para outra.
RECOMENDAÇÕES PARA TRATAMENTO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
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CONTROLE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA
Esta é a primeira ação de tratamento, tanto em situações agudas como em casos crônicos. Tem como objetivo principal o bem-estar do paciente, assim como melhora da qualidade de vida. Além disso, podem evitar, retardar ou reverter disfunção ventricular esquerda. Tratamento medicamentoso oral é utilizado preferencialmente em pacientes estáveis hemodinamicamente.
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Os digitálicos são ineficazes em controlar a FC durante esforço, mas podem ser eficazes especialmente em pacientes idosos, sedentários ou com limitações físicas. São bem empregados em pacientes com insuficiência cardíaca (IC), isoladamente ou em associação com beta-bloqueadores. Quando associados aos beta-bloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio, permitem utilizar doses menores dessas drogas, minimizando assim seus efeitos inotrópicos negativos.
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Os beta-bloqueadores orais são provavelmente a classe de drogas mais utilizadas para controle da FC em pacientes com FA. São preferíveis em relação aos bloqueadores de canais de cálcio em pacientes com cardiopatia isquêmica ou disfunção ventricular esquerda. Devem ser utilizados cuidadosamente em pacientes com disfunção ventricular esquerda grave. Atenolol, metroprolol e sotalol promoveram melhor controle da FC de esforço em comparação à digoxina. A associação de carvedilol com digoxina mostrou-se mais eficaz em controlar a FC de repouso e esforço quando comparada a cada droga isoladamente.
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Os bloqueadores dos canais de cálcio não-dihidropiridínicos (verapamil e diltiazem) são eficazes para o controle da FC em pacientes com FA e os únicos relacionados à melhora da tolerância ao esforço. Devem ser evitados em pacientes com cardiopatia estrutural significativa, em especial, disfunção ventricular esquerda sistólica. São preferíveis em relação aos beta-bloqueadores em pacientes com história de broncoespasmo ou doença pulmonar obstrutiva crônica.
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A amiodarona exerce bom controle da FC em pacientes com FA. Sua utilização por via oral ou intravenosa pode ser útil em casos em que a terapia convencional com digitálicos, beta-bloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio não é efetiva. Seus efeitos adversos e tóxicos são importantes, tornando-a uma opção de segunda linha para o controle da FC em pacientes com FA. Entretanto, em pacientes com insuficiência cardíaca, a amiodarona e a digoxina são opções relevantes.
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CARDIOVERSÃO MEDICAMENTOSA
A cardioversão pode ser feita através de choque elétrico ou drogas. A última tem ganhado popularidade, entretanto é menos efetiva, além da possibilidade do desenvolvimento de torsades de pointes ou outras arritmias e toxicidade. A mesma é mais efetiva quando o seu início é dentro dos 7 dias do desenvolvimento da FA. Não há evidência de que o risco de tromboembolismo ou AVE seja diferente entre as duas técnicas.
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A propafenona está indicada para indivíduos sem cardiopatia estrutural. Dose recomendada: 600mg em dose única via oral ou 1,5 a 2mg/ kg em 10 a 20 minutos endovenosos. Seus efeitos são dose-dependentes.
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A amiodarona é outra opção para reversão ao ritmo sinusal e prevenção de recorrências. É útil na FA associada à IC. Em pacientes internados, a dose oral recomendada é de 1,2 a 1,8g/dia em doses fracionadas, até o total de 10g ou 30mg/kg em dose única, seguida de 200 a 400mg como manutenção. Uma outra opção oral, porém, em ambiente ambulatorial, é a dosagem de 600-800 mg/dia em doses divididas até totalizar 10g, seguido de manutenção com 200-400 mg por dia. No caso de administração venosa, na dose de 5 a 7mg/kg por 30 a 60 minutos, seguidos de 1,2 a 1,8g/dia em infusão contínua até um total de 10g, seguida de 200 a 400mg ao dia como manutenção.
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A quinidina deve ter seu uso limitado a casos selecionados devido ao risco de efeitos colaterais pró-arrítmicos, que, muitas vezes, inviabilizam seu emprego. Caso se opte por sua utilização, recomenda-se a internação do paciente por, pelo menos, três dias.
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CARDIOVERSÃO ELÉTRICA
Deve ser realizada com o paciente em jejum e sob anestesia ou sedação profunda adequada. Em choques monofásicos é indicado energia igual ou superior a 200J. Para choques bifásicos é recomendado iniciar com a aplicação de 100 J ou mais. A sua desvantagem é a necessidade da utilização de medicamentos anestésicos.
A chance de restauração para o ritmo sinusal após CV elétrica é alta. Porém, a recorrência também é comum, principalmente quando não se utiliza concomitantemente drogas antiarrítmicas, as quais podem ser iniciadas imediatamente antes da CV elétrica ou a nível ambulatorial, antes da internação hospitalar.Com diferentes níveis de evidências, as drogas indicadas são: amiodarona, propafenona, sotalol, beta-bloqueador, disopiramida, diltiazem, procainamida ou verapamil.
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ABLAÇÃO POR CATETER
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TRATAMENTO CIRÚRGICO
HISTÓRIA DE FA COM DURAÇÃO MENOR QUE 24 HORAS
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Em sintomáticos com alta resposta ventricular devem ser tratados prontamente e, em caso de repercussão hemodinâmica, deve ser considerada a indicação de cardioversão elétrica imediata;
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Em caso de episódios sem repercussão hemodinâmica, é feito o controle da frequência cardíaca com medicações intravenosas, além de ser utilizado a heparina para a anticoagulação. Logo, observar se há ou não reversão espontânea. Se negativo, tentar cardioversão elétrica ou medicamentosa. Se reversão sem sucesso, controlar frequência cardíaca de paciente com medicação oral e utilizar anticoagulante mantendo RNI entre 2 e 3.
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Legenda: Fluxograma da abordagem terapêutica da FA com duração menor que 24 horas
Fonte: https://bit.ly/2lbVpvD
HISTÓRIA DE FA COM DURAÇÃO MAIOR QUE 48H
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Em sintomáticos com alta resposta ventricular devem ser tratados prontamente e, em caso de repercussão hemodinâmica, deve ser considerada a indicação de cardioversão elétrica imediata;
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Se paciente apresenta estabilidade hemodinâmica e local de atendimento possui ecocardiograma transesofágico (ETE), é importante a realização deste. Se não houver trombo, é indicado a cardioversão elétrica e anticoagulação por 4 semanas ou mais, dependendo dos fatores de risco apresentado pelo indivíduo. Se presença de trombo, é importante o controle da frequência cardíaca e do ritmo, além do uso de heparina intravenosa ou subcutânea e anticoagulante oral já no pronto atendimento. Como não é indicado CV neste momento, usa-se anticoagulante por 3 semanas antes e após esta, 4 semanas ou mais de anticoagulação;
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Em locais onde não é disponível o ETE, é indicado o controle da frequência cardíaca e do ritmo, além de anticoagulante por 3 semanas antes da cardioversão e após esta, 4 semanas ou mais de anticoagulação ou então, tratamento apenas com controle da frequência cardíaca e anticoagulação oral.
Legenda: Fluxograma da abordagem terapêutica da FA com duração maior que 48 horas.
Fonte: https://bit.ly/2JUnEwP
RECOMENDAÇÕES PARA MANUTENÇÃO APÓS TRATAMENTO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL
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DROGAS ANTIARRÍTMICAS
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A amiodarona é o fármaco antiarrítmico mais eficaz para prevenção de recorrências de FA. Pode ser empregada na dose mínima de 100 a 200 mg ao dia com eficácia comprovada, particularmente em idosos.
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A propafenona deve ser considerada antes da amiodarona em pacientes com coração normal ou na presença de cardiopatia mínima. Seus efeitos são dose-dependentes, sendo 900 mg ao dia mais eficaz do que 600 mg. Não deve ser empregado em pacientes com hipertrofia ventricular esquerda, disfunção ventricular, IC e insuficiência coronariana devido aos riscos de efeitos pró-arrítmicos.
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O sotalol está contraindicado em pacientes com asma, hipertrofia ventricular esquerda importante, disfunção ventricular significativa, IC aparente, insuficiência renal ou naqueles com intervalo QT longo (> 500 ms). Em indivíduos com coração normal, deve ser indicado antes do emprego da amiodarona.
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A quinidina tem eficácia menor que a da propafenona e amiodarona, porém similar a do sotalol. Está contraindicada em pacientes com cardiopatia estrutural, hipertrofia ventricular esquerda, IC, insuficiência coronariana, intervalo QT longo e nos pacientes com arritmia ventricular complexa.
Legenda: Fluxograma da manutenção pós tratamento de FA.
Fonte: https://bit.ly/2JUnEwP
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DROGAS NÃO ANTIARRÍTMICAS
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Os inibidores de enzima de conversão da angiotensina, como o captopril ou enalapril, além dos bloqueadores dos receptores de angiotensina, como a irbesartana e valsartana, empregados conjuntamente aos antiarrítmicos, parecem reduzir as recorrências de FA aumentando também, o período de manutenção do ritmo sinusal. Esses agentes estariam indicados em pacientes com hipertensão arterial sistêmica e IC.
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Os antagonistas dos canais de cálcio podem ser empregados em pacientes que apresentam recorrências frequentes de FA após a CV. Sua utilização, entretanto, ainda é controversa.
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As estatinas podem ser empregadas em casos selecionados de pacientes com FA secundária a processos inflamatórios. Em relação à inflamação, o uso de corticoesteróides também pode estar associado à diminuição da recorrência de FA.
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Os diuréticos devem ser empregados em pacientes com IC associada à FA. A espironolactona, do mesmo modo, está indicada nesses pacientes como fármaco coadjuvante à terapêutica para a IC.
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PREVENÇÃO DE FENÔMENOS TROMBOEMBÓLICOS
A relação entre FA e Acidente Vascular Encefálico é bastante conhecida, mesmo em pacientes sem doença cardíaca aparente. Por isso, a terapia anti-trombótica se estabeleceu como parte importante do tratamento dos pacientes, principalmente os portadores de FA crônica. O objetivo é atingir a intensidade capaz de minimizar efetivamente os riscos de tromboembolismo sem impacto significativo nas taxas de hemorragia. A Varfarina, hoje, é o medicamento de escolha e o com maior efetividade, sendo importante manter o nível de RNI entre 2,0 e 3,0, exceto nos portadores de próteses valvares metálicas (RNI> 2,5).
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O AAS é utilizado em doses mínimas de 300mg. Entretanto, sociedades renomadas recomendam a utilização de 81 mg em grupos específicos.
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A utilização da heparina é restrita à apresentação de baixo peso molecular durante os períodos em que o ajuste ideal da anticoagulação oral ainda não foi alcançado ou quando o seu uso deve ser interrompido temporariamente em razão de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos com risco de hemorragia.
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A utilização de dispositivos mecânicos percutâneos com a finalidade de promover a obliteração do apêndice atrial esquerdo, ou mesmo a sua exclusão cirúrgica, são opções potencialmente eficazes.
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Agentes antiplaquetários como ticlopidina e clopidogrel não demonstraram eficácia que permita recomendar a substituição sistemática da varfarina por essas drogas.
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A dabigatrana, classificado como um novo anticoagulante, em dosagem de 150 mg possui benefícios superiores aos da varfarina.
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A rivaroxabana em uma dosagem que variou entre 15-20mg, foi não inferior a varfarina para o desfecho primário de AVC e embolia sistêmica.
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A apixabana em dose de 5-10mg/dia foi superior a varfarina, em relação a diminuição de AVC,embolia sistêmica, sangramento e mortalidade.
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A edoxabana, em dosagem entre 30-60mg/dia) mostrou-se não inferior à varfarina.
Nem todos os pacientes com FA evoluem com tromboembolismo sistêmico, indicando que alguns fatores possam estar presentes nessa condição, e a identificação destes pode facilitar a indicação e tornar menos empírico o tratamento com anticoagulantes nos pacientes acometidos. Recentemente, foi criado um escore que indica a propensão do indivíduo a desenvolver coágulos, denominado CHA2DS2-VASc. A grande vantagem de sua utilização é que pacientes com escore zero não necessitam anticoagulação, pois o risco de complicação trombótica, neste caso, é muito baixo. No caso de resultado igual a 1, o risco é considerado baixo, e a anticoagulação é opcional e fica na dependência do risco de sangramento e opção do paciente. Se maior ou igual à 2, é indicado anticoagulação crônica.
Escore CHA2DS2-VASc. No critério de doença vascular são considerados: infarto do miocárdio prévio, doença arterial periférica ou placas na aorta.
Fonte: https://bit.ly/2JOX2Kt
Referências:
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II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial – 2016;
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I Diretrizes de Fibrilação Atrial – 2009;
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Klein, F. et al. Fibrilação Atrial na Unidade Cardiointensiva: como eu trato. Revista do Hospital Universitário Pedro Ernestro, Rio de Janeiro, Dez 2008.